Criatura
“Para
o inferno”.
Reparei a Criatura. Alto,
magro. Espigão. Queimado de muito sol. Luzente de suor.
Subia a rua. Sua
motocicleta emitia explosões e solavancos. A Criatura era sacudida e custava se
equilibrar. Touro e peão.
Outras vezes, subia nossa
rua em maior velocidade e barulho. Sobretudo barulho! Conversas ao telefone
eram interrompidas. Rádio, televisão, despertadores... Inaudíveis.
Algum recém-nascido
acordava, cachorros latiam no fundo dos quintais. “Quem é o filho da puta?”
Ouvia-se.
Empinava a motocicleta,
mexendo muito o guidão para um lado e outro. Muita destreza. Devia passar o
tempo somente a se ocupar daquilo. Suponho que todos lhe desejassem uma queda.
Um estouro homérico. Arranhões e fraturas expostas. Um idiota em sua grandeza.
Aquele dia, não. Aquele era
o dia de sua derrota!
A motocicleta emitia
explosões. A Criatura equilibrava-se nos solavancos. Uma última explosão. A
motocicleta havia apagado.
Saímos. Fomos à rua.
Todos queriam ver a derrota da Criatura. Alguns de longe, a porta de suas
casas, apontavam, sopravam cochichos. Outros, mais perto, a fazerem aglomeração.
Asfixiando a Criatura.
Alto, magro. Espigão.
Examinou a motocicleta. Afrouxou o afogador, apertou na embreagem, pedalou na
manivela de ligar. Balançou a ver se a gasolina soava no tanque.
Desceu da motocicleta.
“Para o inferno, sua merda. Para o inferno seus merdas.”