Fome
Educou toda a fome para o almoço. Criou a fome entre
as entranhas, gerou, pariu. Não deu de beber e nem deu de comer. Nem o pãozinho
do café, a tapioca com queixo, o próprio café adoçado, fumaçando. ― A fumaça era
aquela serpentinha rebolando. Ela soprava e a fumaça dissipava.
Depois vinha a serpentinha rebolando. ― Nem ao meio da manhã, uma bolacha
Maria, uma fruta. Uma bananinha amassada com aveia. Quis comer tudo. Quis e
teve raiva de querer. A raiva sobrepondo a fome. No almoço Ela se vingaria.
Daria a carga. Só verdura. No almoço Ela só comeria verdura e água. Queria
emagrecer. Palito. Palitinho. Alface e vinagre e água. Havia comido terra
quando era pequena. Comido terra e chupado bandinhas de
tijolos. Pois era isso: alface, vinagre e água. Viveria? Chegaria até o fim do
ano nesse confinamento? Estou transbordando. Aqui de lado eu transbordo.
Esses pneuzinhos. Ela dizia. Ela dizia e segurava os pneus. Palito.
Palitinho. O garçom chegou e foi pondo o almoço. Ela olhando as unhas dele a
ver se tinha alguma crosta, algum resto. A ver se era cortada, podada. A
travessa era colorida. Um jardim. Um manjar. Alface, pepino, tomate,
cenoura, beterraba, cebola, pimentão e vinagre e azeite. A barriga fez um
barulho, as vísceras contorceram e Ela enfiou o garfo naquela vereda. Ela
enfiou o garfo e pulou uma rã. Pulou de uma folha de alface pra uma
rodela de pepino aí parou. Parecia desconfiada. Temia alguma desgraça. Melhor
era fica parada a ver se o mundo girava e punha tudo em ordem. Só a papadinha é
que se mexia. Que nojo, alguém disse, que nojo. Chama o gerente, alguém disse,
chama o gerente. Ela só fez estender a mão. A rã ficou uns segundo ponderando e
saltou. Venha, filhinha, venha amorzinho. Ela disse.
(Imagem: Pinterest)