Liberdade
Na janela do meu escritório pousa um passarinho. O mais
vagabundo e vira-lata deles: o pardal. Defeca e fica me olhando, virando a cabeça
pra um lado e outro. Intrigado, fecha um olho, como se fosse um consertador de
relógios antigos. Examina-me. Resolvo fazer o mesmo. Fico a imitá-lo, torcendo
pra que a esposa não abra a porta e se depare com a cena.
O pardal é um pássaro vagabundo, pois sim. Mas, é
justamente aí a sua vantagem. Nenhum outro pássaro no Brasil consegue
vagabundear os céus. A calopsita, o canário, o papagaio, o galo de campina, o
sanhaçu... Estas criaturas vivem desassossegadas. Coraçãozinho pulando pela
boca. Voos curtos, com várias escalas entre as árvores, escondendo-se entre
folhas. Estes fugitivos possuem a tristeza de nunca estufar o peito e pousar
para uma fotografia. Qual o crime deles, senão o de serem bonitos e cantarem
bem. A beleza põe a mesa e, também, põe na gaiola. O pardal não. O bichinho é
feião e desafinado. Um desmantelo. E, por tudo isso, é que ele é o detentor dos
ares, engolindo tanajuras em pleno voo, ciscando em qualquer quintal, pousando
e defecando em qualquer janela.
Se mil vidas tivesse, mil vidas quereria ser um pardal. O
mais vagabundo deles.