Crônica de berros, bramidos e brados
Lady
Laura tem fascínio por etiquetas. Desde cedo, desde sempre. Lá está ela em seu
carrinho. Assiste algum desenho colorido, barulhento. Inúmeras vezes o mesmo
desenho — já cantarolamos as músicas. Assoviamos no banho, na ida ao trabalho,
na sala de aula. — De repente cai sobre Lady Laura o tédio com a vida. Quanto
ela está pesando hoje? Nove quilos, calculo. Está pesada! Nove quilos e ainda
se debaterá, entediada. É preciso força para sustentá-la. Domá-la. Procuro
algum brinquedo de morder. É preciso entretê-la. Um brinquedo onde possa fincar
os dentinhos, amolá-los, deixando marcas no plástico. É a fase do morder.
Morder o mundo. Funcionou por minutos, de novo caiu o tédio. É preciso procurar
outra coisa, vasculhar o mundo a procura de algo que possa ser babado e
destruído. O que? Talvez uma pedra, uma árvore. E eis que surge uma embalagem
colorida e barulhenta. Uma embalagem de salgadinho. Fede, mas o colorido, o barulho...
Logo se entedia e chora. O rosto vermelho, a cara franzida. Uma lágrima. Procuro
uma lágrima sequer. Não há. Só berros, bramidos e brados retumbantes. O
controle remoto! Ela o encontra. Para de chorar e me lança um olhar de luz. O
controle remoto! Receio que o parta em dois. Ela chora, pressionando-me. E lá
está o controle nas mãozinhas de bolota. Parece que gostou. Mordeu, mudou de
canal, aumentou o volume e, entediada, jogou no chão. Talvez ela queira o
ursinho com guizos embutido. Olha o barulhinho, mamãe, olha o barulhinho! Não,
não gostou. Faz careta — sempre franze a testa e as ventas — está prestes a
sacudir o ursinho de guizos e, epa! Percebe a etiqueta. Pedacinho de pano
saltando das costas. Letras miudinhas, código de barras. E aí ela se entretém. Belisca
a etiqueta, soletra, conversa e ri.